segunda-feira, 25 de abril de 2011

14 horas (Helsínquia)

A Finlândia estava na berra em Portugal. Bem posicionada para ganhar as eleições, a extrema direita prometia boicotar o plano de ajuda económica ao parceiro luso. Fomos espreitar.

Tínhamos 14 horas para perceber o que se passa. Era esse o tempo entre voos. Chegámos exatamente no dia das eleições. Quem diria?

Propaganda amontoada nas paredes? Nem vê-la! Grandes outdoors com os “carismáticos” líderes políticos? Onde??? Bandeiras, autocolantes e adereços afins? Nem pensar…

A informação ao eleitor é bem simples: tv, rádios e meia dúzia de cartazes em locais estratégicos. De tamanho “decente” e com preocupação informativa: a foto de todos os candidatos. Para que todos saibam quem integra o projeto. Quem se propõe defender os interesses dos finlandeses.

A “boa nova” chegou através do iphone do Tiago. O inevitável português em qualquer lado do planeta. A extrema direita tinha vencido as eleições. Sarilhos para Portugal. Os jovens que estão no bar têm dificuldades em acreditar no resultado. Encolhem os ombros.

Bebemos um chã. Purgar os males futuros. Nada de festa nas ruas. Alguns vitoriosos encaminham-se, ordeiramente, para o parlamento. Não fossem os cachecóis iguais e pensaríamos que se tratavam de normais transeuntes.

Tiago está há cinco anos na Finlândia. Não pensa voltar a Portugal. Não gosta da mentalidade. “Das inúmeras queixas sobre tudo e mais alguma coisa, acompanhada de uma passividade total na hora de agir. Não há estômago para isso”. Como bem te entendemos, Tiago.

A baixa de Helsínquia continua bonita. Calma. Tranquila. Alguns edifícios imponentes. Arquitetura sóbria. Muita água na paisagem. Nos arredores ainda há neve a cobrir a natureza.

Trouxemos-lhes sol. Aproveitamo-lo imóveis uma hora em banco de jardim. A apreciar as rotinas locais. Alguns turistas. Muitos finlandeses a absorver a energia solar.

Jantar rodízio de pizzas. Saladas. E sopinha! Hummm… que saudadesssssssssss!!

Após ultimo copo, hora de voltar ao aeroporto. Check in às 03:00 não é estimulante. Não havia alternativa.

Correu tudo bem. Estamos em casa.
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sábado, 23 de abril de 2011

Last day in Índia

Baldámo-nos e perdemos o jantar. Desenrascamo-nos com dois gelados para cada um. De qualidade e segurança mais do que duvidosos. A esta hora, não havia alternativa.

O relógio não enganava. Tínhamos, na melhor das hipóteses, quatro horas para descansar. Antes das 06:00 já deveríamos estar a pé. E com as malas prontas.

A perdição chegou da caixinha que mudou o mundo. Alterou a nossa noite. Real Madrid – Barcelona. Duas horas de “descanso” em vez de quatro. Assim até dormiríamos melhor no avião. Talvez…

A caminho do metro, tempo para gastar as últimas rupias. Pedem-nos por duas bananas o mesmo que tínhamos dispendido por um quilo na véspera (e já aqui tínhamos pago tipo o triplo do valor de mercado).

Má reação. Respondem-nos com um trocista “bye bye”. Aproximamo-nos dos idiotas (pelo ar que tinha a dupla, não pela atitude de “mercado”) e dizemos-lhes algo (que, obviamente, não nos lembramos) em inglês. Seguido de qualquer coisinha em português. Temem a nossa expressão. Engolem em seco. Levámos a nossa “ira” matinal para outra freguesia.

Já no metro, percebemos que já tínhamos abandonado a Índia. Ou quase. É, realmente, um meio de transporte bom, eficiente, novo. Estreou há semanas. E, por isso, ainda subaproveitado.

Fico a aguardar à porta do aeroporto. Vasco caminha longos metros para oferecer a última roupa. Seguimos para Check in. Pequeno almoço de seguida. Depois, sim, últimas rupias.

Fazemos mal as contas. Sobram 100. Já junto ao local de embarque, vamos comprar bebidas. Máquina não aceita a nota. Vasco percorre mais cinco pontos de venda automáticos. Nenhum quer o nosso dinheiro.

Cada um segura numa ponta da nota. Afastamos as mãos. Tive sorte. Fiquei com o Gandi.

Mostrámos bilhete, dirigimo-nos ao avião. Descemos degraus. Controlo surpresa da polícia. A confirmar o número de sacos. Estranho. Andámos mais 30 metros, novo controlo. Ainda mais invulgar. “É para vossa segurança”, respondem-nos, quando, com ironia, pedimos emprego.

Quatro lugares centrais só para nós. Podia ser pior. Estamos bem instalados. Prontos a levantar voo.
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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Frank, tu matas-nos!


Foi com sensação interior de “incomplete” que abandonámos Jaipur. Acreditávamos que estava ali uma outra Índia para se revelar. Depois de questões de saúde, foi o tempo a não permitir. Temos pena. Mesmo.

Às 06:00 já o comboio expresso rumava a Nova Deli, a nossa última etapa. Sem paragens ou escalas. Uma maravilha. Um fim de manhã, toda a tarde e o que restasse da noite para as ultimas coisas antes do regresso a casa.

Compras de ultima hora, cambio do derradeiro dinheiro e despedida do Frank, que continua a sua viagem. Estará pela Ásia quatro meses e meio. Inveja. Muita.

“Acalma-te, miúdo. Agora vais estar só. Tem juízo, não percas a cabeça. E tem resto de excelente viagem”, dissemos-lhe, após abraços sentidos. Como se fossemos amigos há uma vida.

Nas cinco horas de comboio, Frank teve tempo alguns comentários com locais que podiam ter degenerado em conflito. E o seu estado instável preocupava-nos.

“Como é que vocês aguentam um país assim tão porco?”, começou por questionar a surpresa plateia, antes de pedir “10 rupias” pelos óculos que uma esteticista deixou cair e ele apanhou.

Para finalizar em grande, perguntou porque é que Shiva, o deus maior dos hindus, fuma umas “ganzas”.

Nesta altura, um silêncio embaraçoso na cabine. Todos a olhar para o Frank. E para nós.

“Não, isso não é verdade”, assegurou um dos interlocutores. Com um olhar e tom que não admitia duvidas.

Ainda assim, o nosso bom amigo insistiu. “Sim, garantiram-me isso no Nepal. Que Shiva fumava droga. Era marijuana? Haxixe? É por isso que na Índia todos fumam drogas?”.

Temperatura a subir. Abruptamente. Rostos rubros. Respirações aceleradas. Do lado indiano. Plano de emergência. Do nosso.

“Qual o melhor mercado para comprar roupa em Deli?”, atirei. Vasco pegou imediatamente em papel e caneta para nos registarem essas dicas. E o assunto morreu ali. Já devia ter acabado antes…
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terça-feira, 19 de abril de 2011

Uma oportunidade na Cidade Rosa


Desperto com pedal ímpar. Acordo Vasco. Tiro o Frank da cama. Não há hipóteses de recusa para ninguém. Há que sair. Vencer o infortúnio. Derrotá-lo por KO. Num ápice vejo que estamos os três com o mesmo espírito. Em breve, as ruas de Jaipur são nossas…

Dirigimo-nos ao centro. Ao histórico centro, todo em cor de rosa. Como num conto de fadas. Em 1876, o marajá mandou pintar a cidade dessa cor para a visita do Príncipe de Gales. Desde então, a zona “velha” é regularmente pintada.

Jaipur tem três séculos. Foi a primeira cidade “planeada” da Índia. Ficámos impressionados com arquitetura rendilhada. Com palácios e edifícios em grés.

Fomos ao Palácio da Cidade, o maior. Ainda hoje alberga a família real. Perdeu o poder, mas mantém o estatuto. Um complexo de vários edifícios, de estilos distintos, com utilidades diferentes. Aqui podem ver-se exposições de pintura, apreciar têxteis, almoçar ou surpreender-nos com coleção ímpar de armas…

Acabámos por investir muito tempo neste belo complexo. Admirável a fachada Hawa Mahal do Palácio dos Ventos. 943 janelas que visavam dar privacidade às esposas, amantes e concubinas do imperador Sawai Pratap (no século XVIII) enquanto observassem a rua.

O tempo voou. A sopa de tomate que arriscámos comer (o local impunha sentir algum prazer real) revelou-se duvidosa.

Voltámos à “confusão”, fora da zona real, para nos deliciar nos milhares de pequenas lojas que polvilham as ruas traçadas a esquadro. E a tal régua da primeira cidade planeada da Índia.
Cores e odores. Foi o que mais nos deliciou. E uma carroça puxada por um camelo.

Cansados. Horas de voltar ao hotel e preparar o jantar. Não-indiano. Por razões óbvias. Decidimos procurar o que ia ser o primeiro e último centro comercial das férias. 1 hora a pé. Mais 10 minutos de tuc tuc. Missão cumprida.

Praça da alimentação curta, mas suficiente. Sopas. E pizzas. Conhecemos vários turistas. Destaque para grupo “chique” de norte-americanos. Simpáticos. Endinheirados. Um raide de seis dias pela Índia.

“Já estamos fartos desta comida. Quisemos recuperar um pouco os sabores que conhecemos”, justificaram. Como os entendemos…
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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Dia de cão em Jaipur



O ânimo de estarmos no Rajastão, na capital Jaipur, esmoreceu ao raiar do dia.

Saímos cedo da caminha. Mas foi também prematuramente que entendemos que não poderíamos andar longe do hotel. Melhor: eu precisava andar muito perto do WC e o Vasco de descanso face às dores musculares. Antes de ser atacado pelo mesmo problema que eu...

Um trio de ataque, completamente à defesa. Enclausurado no hotel. O Frank nem saiu da cama.

Impacientes, eu e Vasco ainda nos aventuramos a sair – eu estava há quase 24 horas a água e coca-cola, sem comida, receita depois seguida pelo Frank – mas a aventura não durou muito.

Procurámos desesperadamente um restaurante “não indiano”. De qualquer tipo. Caminhámos de um lado para o outro. Ninguém sabe nada. Finalmente, a recompensa. Ou o castigo: McDonalds.

Fechei os olhos aos meus princípios. Raios, que se lixe! Já só sonhava com um suculento BIG Mac (ou outro maior) e uma coca-cola gelada para me rasgar a garganta. Estava calor. E pó.

Entrámos. Pois… Índia… Vacas… só há mesmo hambúrgueres de frango. E picantes. Duas dentadas. Desisto. Vingo-me em dois gelados. Alarme. Organismo protesta. Hora de voltar para o hotel. E rápido!

Três a quatro horinhas de cama durante a tarde. Um luxo há muito não experimentado. Há que aproveitar.

À noite, o sono não vem. FC Porto joga na Rússia. Há que improvisar novamente forma de ver o jogo. Conseguimo-lo. Às prestações de imagem. Na prática, conseguimos ver apenas um golo em “direto”. O segundo do Spartak.

O dia acaba mais longo e menos rico do que o desejado. Dormir e esperar por melhor sorte quando o sol nos der nova oportunidade.
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Bus até Jaipur



Não chegámos a dormir em Agra. Tínhamos pressa do Rajastão. Jaipur era o objetivo. Acabámos por “sacrificar” o forte de Agra, a uns dois quilómetros do Taj Mahal, e metemo-nos a caminho. Havia um “maior e mais interessante” em Jaipur.

As prometidas “quatro a cinco horas” de viagem viraram sete. A paisagem foi mudando.

Primeira auto-estrada. Até tem portagens. Subitamente, motorista muda de rumo. Segue determinado, contra a mão. Gentil, encosta-se, para deixar passar quem vem em sentido contrário, e cola a mão na buzina. Julgávamo-nos livres deste tipo de filmes.

Uma paragem “técnica” bem recebida por todos. Cada um alivia-se como e onde pode. Os intestinos deixam de ser problema exclusivamente meu. Amanhamo-nos como podemos. Ao ar livre.

Primeira vez em autocarro “sleeper”, embora não fossemos usar as camas. Ainda bem. Se precisássemos, dificilmente teríamos direito a ficar com o espaço pago. Demasiados passageiros para tão poucos lugares.

Anoitece. Finalmente, Jaipur. Semáforos. Um centro comercial. Estamos em outra Índia.
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Taj Mahal



Ganhou fama de ser a maior prova de amor da história. Um afeto tal que virou lenda. É, também por isso, uma das sete maravilhas do Mundo.

Beleza em mármore branco. Incrustado com fios de ouro e pedras semipreciosas. Inscrições retiradas do Corão dão outro significado à obra.

Entre 1630 e 1652 foram cerca de 20 000 os homens que trabalharam arduamente para erigir aquela imagem de perfeição.

É o ex-líbris da Índia. A imagem que simboliza um país. O orgulho da nação. Uma obra extraordinária. Em qualquer lugar. Mais ainda numa nação marcada pela pobreza de demasiados milhões.

O imperador mongol Shah Jahan (sim, poucos o sabem, mas a Índia bem pode agradecer à invasão do então poderoso “vizinho”) foi o responsável por esse ícone, dedicado à esposa preferida. Quando morreu após dar à luz o 14º filho.

Os indianos pagam 20 rupias para visitar a sua maior vaidade. Os estrangeiros 750 (uns 12 euros). Apenas 37,5 vezes mais. Apenas. Ao menos, aqui, o “esfolar” do turista é assumido.

Comida, tabaco, isqueiros ou corta-unhas. Nada disso passa no controlo de segurança. Por isso, há que deixar a mochila no “lock room”. Pena que este não esteja à entrada e tenhamos de andar quase 10 minutos para cada lado.

Tempo para fotos. Tempo para desfrutar de toda a beleza. Tempo para pensar em como naquele tempo os sentimentos tinham outro valor. Tempo para saber que hoje seria impossível a repetição de gesto semelhante. Talvez até alvo de chacota. Ainda assim, tempo de plenitude. Tempo para nós.

Já com o Taj Mahal pelas costas, mas ainda dentro do complexo, a televisão filmava um programa com umas seis loiras. Nenhuma delas de parar o trânsito. Longe disso. Ainda assim, indianos encavalitados de máquinas fotográficas em riste. Loiras com ar preocupado. No lugar delas, e com as histórias que ouvimos, estaria igual.


A polícia bem tentou abrir caminho. À bastonada. Mas nem assim o tráfego humano normalizou. Nenhum dos muitos babados desmobilizou.


Indiferente ao insulto, o Taj Mahal continuou vigoroso, belo, altivo. A imperar no horizonte.
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sábado, 16 de abril de 2011

Rumo a Agra



Foi febril e com os intestinos descontrolados que me juntei ao grupo depois de uma hora a tentar dormir na minúscula recepção da Luxmi Guest House. Eles tinham-se demorado no almoço e agora lutávamos contra o tempo (e transito) para apanhar o comboio.

Eu não abria a boca. O Frank não parava de mostrar os dentes, ainda a “voar” com a lassi. Ufa. Chegamos a horas. Num comboio apinhado, arranjou-se espaço para me poder deitar. Também tinha pago pela “cama” toda, é verdade.

De repente, mente fresca. Ou a testa. Kayoko Sawamura, a nossa Kayo, embebeu um lenço em água. Com simpático gesto maternal, colocou-mo na testa. Regularmente, virava-o. E voltava a refrescá-lo. Por magia, a febre foi-se. Os problemas intestinais permaneceram.

Foi em Agra que nos despedimos de Kayo e do Miguel.

Com quatro horas e meia de atraso em relação ao previsto. A pontualidade dos comboios indianos. Frank continuou connosco. Guardámos as malas na estação. O Taj Mahal e o "red fort" esperavam-nos.
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Finalmente, magia… e bicicletas sagradas



Ao contrário do que parece, nem tudo foi mau aos nossos olhos. Varanasi também tem magia. Eram 04:30 e já estávamos na margem do Ganges para ver o nascer do sol.

Milhares de pessoas dormem nas ruas. No chão, num pedaço de cartão. Num plástico. Na terra ou cimento. Em alguns locais, quase amontoados. Vestindo um mero farrapo. Nunca conheceram outra vida. Nem sequer chega a haver resignação.

O sol ameaça aparecer. O show vai começar. Alugámos uma hora de barco. E é a remos que vamos rasgando suavemente as águas do Ganges. E vemos milhares e iniciar aqui o seu dia. Purificando-se. Lavando-se.

A uma distância da margem ideal para ver a luz beijar os vários decrépitos, mas belos palácios e templos, nem vemos poluição. Apenas magia. Somente beleza. É uma hora quase sem palavras. Fotos. Bastantes. Sorrisos em trocas de olhar. Muitos. Momento de ilusão para os cinco.


Mais tarde, festejaríamos com inúmeras “lassi”, uma deliciosa bebida à base de iogurte. Certamente a comemoração que me atiraria vezes sem conta para o WC nos dias seguintes (e não vou falar sobre os wc da India). Que me deu febre.

As lassi (ou comida higiénica) que deixou o Vasco com dores musculares e alterações de temperatura. E o Frank com problemas de estômago. Mas que era saborosa, lá isso era.



E, falando ainda de magia, o Frank provou uma lassi “especial”. Durante horas, não conseguia parar de… rir. Chegou a ver uma bicicleta sagrada. E jurou que era mesmo. Ao descermos de um restaurante, no topo de um hotel, paragem a cada cinco degraus. Estava exausto. A descer. Ria, ria e jurava o seu estado debilitado.

Na visita que fizemos à universidade, descobrimos “outra” Varanasi, outra India. Uma zona silenciosa, ampla e verde. E limpa. Tudo geométrico. Tudo planeado. Bem estruturado.

Ashta indicou-nos onde poderíamos comer. Mudou o seu percurso para nos levar ao local. Meia hora a pé. Sentou-se a almoçar connosco. Recusou escolher comida que fazíamos questão de oferecer. Petiscou da nossa. E levou-nos a um templo hindu onde nos foi explicando a sua religião. Mostrou-nos todas as suas fotos pessoais, um bem precioso que costuma acompanhar os indianos.


“Gosto de ajudar os outros. Simplesmente isso. Foi um prazer”, disse-nos. O prazer foi nosso. Todo nosso, Astha. Na India, finalmente uma alma que traduz o melhor deste povo.

PS: À hora que este post é publicado, já toda a gente está bem de saúde.
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Esgoto do Mundo


“Bem vindos a Varanasi, uma cidade de merda, num país de merda. Aqui encontram merda em todo o lado. Humana e animal. Fazem também compras de merda em locais merdosos. Asseguro-vos que a minha loja é a mais merdosa de todas, com artigos que são uma autêntica bosta. Querem visita-la?”

As palavras, sinceras, eram de um simpático e sorridente vendedor. Prometemos voltar para explorar a sua loja, mas já não o encontramos. Mal por mal, compraríamos à (quase) única pessoa sincera que encontramos em Varanasi

Esta cidade histórica, polvilhada de labirínticas estreitas ruelas, é coabitada por imensa gente e demasiados animais. No mesmo plano, vemos uma multidão de indianos em perfeita “harmonia” com vacas, cães, cabras, patos… um conjunto de animais com rédea solta e que também conspurcam cada rua da cidade.


Passear um dia sem pisar excrementos, tarefa impossível. Ou sorte de principiante.

Entre o lixo e a defecação humana (que se move em inúmeras bicicletas, riquexós e ruidosos e poluentes tuc tuc, motos, carros, tractores, etc) e o esterco animal, estes ainda ficam a perder. Não se entende como não mudam de poiso e deixam Varanasi entregue apenas aos seus peculiares habitantes.


Aqui sobra pobreza. Mas a que mais nos incomodou foi a de espírito. Entre mim e o Vasco, uns 100 países visitados. Kayo, Frank e Miguel igualmente com extensa experiencia de viagens. Nunca vimos algo igual. Pobres de espírito ao extremo, chatos com em lado algum, por vezes agressivos, sempre enganadores e vastas vezes alienados…

Depois da sinceridade do comerciante que nos abordou, traduzida no início deste post, a honestidade na publicidade de um outro restaurante: “Somos menos porcos do que os outros”. Quem fala assim…


Questões religiosas à parte, as quais respeitamos, se nos perguntarem qual o maior “esgoto” humano até hoje visitado, não se nos afigura, por variadíssimos motivos, lugar mais indicado do que a mítica Varanasi.
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Varasani, o Mito



“Varanasi é mais antiga do que a história, mais antiga do que a tradição, mais antiga até do que a lenda, e parece duas vezes mais antiga do que todas elas juntas”.

As palavras são de Mark Twain. E referem-se ao mais distinto dos locais sagrados da índia. Um mundo à parte. Com estatuto sem paralelo na mitologia hindu, complexa nos cultos e rituais.

Se olhasse hoje para Varanasi, talvez Twain lhe acrescentasse outras palavras.

Para quem chega aqui inserido num “pacote turístico”, tudo é certamente diferente. Aliás, como em toda a India. Tudo o que os olhos vêm é seleccionado. O bolo final que é mostrado da mítica Varanasi tem outro sabor. Enganador.

Para quem viaja de forma independente, a história é, regra geral, bem diferente. Tudo menos um conto de fadas.

“Dois dias no mínimo, uma vida no máximo”, disse-nos a melga do tuc tuc que nos levou ao hotel. Uma vida? Não seria longa, certamente.
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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Dream Team


As indicações do checo não foram precisamente correctas. E com isso perdemos muito tempo. E paciência. Os nossos transportadores foram uma autêntica praga para que acabássemos num hostel onde teriam comissão assegurada. Prescindimos dos seus serviços. Seguiram-nos boa parte da manhã. Preferimos o calor e o pó das porcas ruas a ceder.

No caótico (a todos os níveis) centro, um dos melhores restaurantes, indicados por um guia de viagem japonês. Acabámos por ficar todos juntos. Inclusivamente na mesma guest house. Em boa hora.
“Kayo”, japonesa de 35 anos, e uns castiços 152 cm, viaja com o namorado Miguel, espanhol, quatro anos mais novo, com o dobro do tamanho. Há oito anos e meio que emigrou para o Japão. Onde ensina castelhano. Frank, alemão de 36 anos, em período sabático de quatro meses e meio. Para se reencontrar. A esposa foi a primeira a entendê-lo.

O casal num duplo, nós num triplo. Os cinco juntos. Em todo o lado. Uma improvável amizade que em dias ganhou raízes. Sabemos que sólidas, apesar da distancia.
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De novo na India


Logo na fronteira, repetem-se as tentativas de nos enganar. E por parte dos representantes do Estado. Mas não ligámos nem perdemos tempo. Em minutos, um jipe transporta-nos pelo mesmo preço que pagámos de bus no trajecto inverso.. Boa ideia, pois estamos apertados de tempo para Gorakhpur.

No banco de trás, nós e o checo intocáveis. Com espaço. Na mala, apinhados. No banco da frente, iam seis. Até que o condutor acabou sentado ao colo de um dos passageiros. Literalmente.


“Small driver, no problem” sorria.

Chegados à confusa e porca Gorakhpur, 40 minutos para apanhar o comboio das 19:00. Constantes indicações contraditórias dos funcionários dos burocráticos e pesados caminhos de ferro indianos.

Finalmente, os cinco turistas que aleatoriamente se juntaram no local recebem indicações similares. Saímos da estação. Andámos a pé cerca de um poeirento quilómetro ate outro departamento ferroviários. Recuámos riquexós.. Com “muita sorte”, acabámos por arranjar todos bilhete para as 22:00. Partimos umas duas horas depois.

Deveríamos concluir a viagem às 04:15. Só atrasámos seis horas. Pena. Ía permitir-nos, logo no primeiro dia, ver do rio Ganges o mítico nascer do sol sobre a arquitectura e cultura únicas de Varanasi…
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Bye Bye Nepal


As experiencias anteriores dizem-nos que, neste caso, mais vale madrugar. Íamos deixar o país, viajar umas centenas de quilómetros até ao próximo destino, já na India. Por isso, era imperativo estar na estação de camionagem antes das 06.30.

Assim foi. Tudo em nepalês, complicado perceber qual o autocarro para a fronteira. Feita a pergunta, logo nos quiseram vender o bilhete. Mais caro. Preferimos esperar pelo “autocarro de luxo” prometido.

Vendo-nos determinados, lá confessou que o veículo em causa era “aquele” que estava “mesmo para sair”. Obviamente, mais uma sucata. Confirmámos com alguns turistas a bordo. Íamos todos para o mesmo lugar.

Desejámos naquelas serpenteantes oito horas até à fronteira que a estrada tivesse milhões de curvas a menos. Mas as nossas preces não foram ouvidas. Desgastante. Mas o nosso estômago aguentou…

A meu lado, uma coreana (foi a única coisa que percebi na curta conversa) limpava discretamente sucessivas lágrimas, sempre com o rosto fixo na paisagem. E phones.

O Vasco teve mais sorte, socializou com um jovem checo, que viajava há meses. E que “fumava” demasiado. Por isso, sempre numa “boa”. O checo.

Um inglês confiou que o “pica” o avisava do local ermo onde iria sair. Ia passar uns dias a um refúgio remoto na montanha. Quando tirou as dúvidas, teve de sair e viajar para trás mais umas três horas. Estranha confiança no sistema.

Ao chegar à fronteira, a nossa primeira avaria. Passageiros entram e saem, conforme a mutável confiança do motorista na resolução do problema. Surreal. Uma hora depois, seguimos viagem. Desviada depois por um comício. Muitas bandeiras vermelhas. Ficámos na dúvida se um longínquo passado estaria a ser aqui presente.

Deixam-nos a quatro quilómetros da fronteira. Temos de socorrer-nos dos tuc tuc. Negócio complementar por estas bandas, quando se viaja. Recusámos preços estúpidos. Iniciámos a caminhada.

Um indiano apanha-nos mais tarde. Faz um preço justo. Não imaginámos como vamos caber três num frágil riquexó. Ele trata disso. E pedala pela vida. Mesmo sem entendermos a língua, percebemos que nos livrou de indesejada companhia durante a viagem.

No fim, recebe o dobro do estipulado. E o Vasco presenteia-o com uma t-shirt. Acabámos bem. Na fronteira, a simpatia que já tinha sido revelada no passado.

O Nepal deixou saudades. Muitas! Certamente, um país a voltar…
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Nepal´s soundtrack


Estávamos de regresso a Pokhara, mas optámos por almoçar neste refúgio tibetano. E fomos surpreendidos pelo melhor da coexistência entre estas duas culturas.

Atacámos um dos pratos típicos – estilo sopa com carne, massa e vegetais, deliciosa iguaria que repetimos - e perguntámos a seis jovens, a chegar à maioridade, se podíamos juntar-nos na mesma mesa. Surpresos, acederam com sorrisos.

Um deles, com “pinta” de artista, com óculos espelhados a resguardar o seu olhar habitualmente jocoso, tocava uns acordes. Pedimos para gravar. Cantaram para nós. E foi assim que resumimos o Nepal…
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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tibete no Nepal


Em poucos minutos nos libertamos do convite persuasivo para comprarmos tapeçarias. Mesmo que as quiséssemos, não tínhamos espaço para elas. Sorrisos de compreensão.

Segundos depois, já estava feito o desafio. Éramos claramente maiores, mas eles eram mais. Conheciam os vícios da bola e das tabelas. Basquetebol. Eu e o Vasco contra três reguilas pré adolescentes. Nos forçando-nos a não correr, para ser equilibrado. E a terminar o jogo pouco depois num empate que a todos satisfizesse.

Acreditámos que vamos ter bom vídeo da cena. Terminámos em festa. Seguimos para o mosteiro. Encontrámos o grupo de italianas com quem já tínhamos esbarrado na festa e na guest house de Dhampus. Ofereceram-nos boleia para Pokhara, mas ainda era cedo para nós.


Conseguimos “entrevistar” um monge no templo. Também ele de uma família de refugiados tibetanos. Contou-nos o seu dia a dia dedicado aos estudos. E a fazer deste um mundo melhor. Não quer constituir família. Já a tem. No mosteiro.

Tal como muitos, foi na religião que escapou à fome. A uma vida de privações.

Já fora do complexo religioso, mas ainda dentro do campo de refugiados - uma aldeia “normal”, mas com esta designação por efectivamente albergar nepaleses obrigados a fugir do seu país – fomos falar com um responsável que nos contasse a historia do que se passa com os tibetanos no Nepal.

Neste campo vive uma comunidade de 830 pessoas. Boa parte delas dedica-se ao artesanato. Em torno de Pokhara há quatro campos, num total de uns 4.000 refugiados. Em todo o Nepal serão uns 15,000 “ainda assim incomparavelmente menos do que os que seguiram o Dalai Lama para a India”.

“Aqui não se vive. Sobrevive-se. Com o artesanato. Dos que o fazem. E dos que o vendem. As receitas vão para a comunidade. Sem documentos do Nepal, nem há escola podemos ir”, lamenta Terzin Tashi, um dos responsáveis do campo.

Ao contrário do esperado, o mosteiro não constitui um valor acrescentado para o campo. “As pessoas vêm cá para o ver, ouvir os monges cantar a horas fixas, mas depois vão embora, não prestando atenção à comunidade”.
Terzin ainda sonha voltar ao seu Tibete natal e aí construir o seu futuro. Juntamente com família e amigos. “Em 2012 haverá mudanças políticas na China. Acreditamos que o nosso destino pode mudar”.

Nós também queríamos acreditar, mas a nossa experiencia passada no Império do Meio faz-nos duvidar da concretização deste sonho…
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FOLCLORE E RELIGIAO



Claramente contra-ciclo, descemos a montanha por milhares de degraus em pedra, surpreendentemente organizados. Um caminho delicioso. O Piódão em pleno Nepal.

Gente feliz, transportada pela ilusão de um acontecimento único. Largas dezenas, com a melhor roupa, escalavam dificuldades com a mente fixa na festa.

Um inquérito breve e foi possível ver que sobrava quem tinha abandonado a respectiva aldeia ainda o sol não tinha despertado para aproveitar Dhampus ao máximo. Frequentemente, fomos questionados se tínhamos gostado da experiencia. O olhar expectante dos nossos interlocutores não nos permitia outra resposta senão um claro SIM. Acima de tudo, porque era essa a verdade.

Um alucinado personagem cinquentão segui-nos até ver satisfeito o seu desejo de o filmarmos e fotografarmos. Quando a nossa atenção finalmente se focou nele, começou com um sortido de hilariantes palhaçadas. Não nos contivemos e isso estimulou ainda mais a sua fantasia.

Já de regresso a Phedi, um breve cumprimento às nossas amigas das barraquinha-restaurante e mini-bus apinhado – até com cabras – até sairmos a meio do percurso para Pokhara para visitar um dos campos de refugiados tibetanos no Nepal.
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Deco



Tinha pinta de ser hábil com as palavras. Garantiu-nos que se destacava igualmente com a bola nos pés. Por isso, na sua aldeia, onde todos os jovens jogam futebol diariamente ao fim do dia, é conhecido por Deco. “Sabem quem é, certo?”.

Sorrimos. Acenámos com a cabeça.

Ao saber que éramos portugueses e, por motivos profissionais, conhecíamos pessoalmente, o seu ídolo, Deco não mais nos largou nesse inesquecível jantar à luz de velas. Aqui, a energia também chega a conta gotas…

Deco e os seus jovens quatro amigos são tibetanos. Refugiados no Nepal. “Aqui a vida é complicada. No Nepal não nos concedem a cidadania, pelo que temos ainda mais dificuldade em arranjar emprego”.

A responsabilidade é atribuída ao opressor chinês. “Mao Tse Tung chegou em 1959 com o pretexto de nos ajudar. Construir estradas e outras infra-estruturas no Nepal. Depois invadiu o país. Aniquilou uma nação, que se fragmentou e abandonou a sua pátria como pôde. Os chineses nunca nos deram paz. E continuam a faze-lo. O Nepal, politicamente muito instável, depende economicamente da sua influência. Por isso segue as suas instruções e até aqui somos marginalizados. Não temos direitos”.

Deco e os seus amigos estão em Dhampus para vender artesanato. Uma oportunidade rara de equilibrar as finanças da família. “É a única forma de tentarmos fazer algum dinheiro”.

Nada nos tentaram vender.
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Dhampus on Fire!


A única dúvida era saber em que ano estávamos. O filme parecia do início dos anos 70, mas os coloridos personagens remontavam certamente a um tempo em que o mundo vivia a televisão ainda a preto e branco.

Enorme espanto foi o eufemismo que nos invadiu. Eram milhares os rurais nepaleses que coloriam o singular palco da festa. Desporto, musica, dança e as distracções habituais, presas a um tempo que nos devolve imagens de infância.

O Nepal está a comemorar a transição para o ano… 2068, mas, na verdade, juraríamos que seria um século, um milénio menos.

De toda a região, milhares de pessoas treparam horas serra íngreme acima para viver este festival cultural em Dhampus. Uma festa com intensidade suplementar, pois este ano o Nepal dedica-o ao turismo.

Kusturica não teria pintado um cenário assim no mais inspirado dos seus filmes.

Enquanto decorria um concorrido torneio de voleibol, em que apenas uma das várias equipas se apresentava com equipamento uniforme, o palco era cenário de espectáculos musicais, anúncios e cómicas encenações teatrais.
Mais ao lado, uma roda “gigante” movida pelo suor e pés de dois “malabaristas”, que, com as suas proezas nas alturas, sem “rede”, captavam a atenção das e admiração das miúdas.

Também movido a energia humana, um pequeno carrossel térreo, ainda assim igualmente propício a acidentes por evidente falta de segurança, completava o lote das principais infra-estruturas de apoio ao evento.

Com 10 rupias (uns 10 cêntimos) tínhamos noutro lado direito a três argolas para “pescar” um sumo ou notas de 10, 20 ou 50. Pelo mesmo valor, três bolas para derrubar uma cascata de 10 latas. Sobravam os que queriam tentar. E os que se maravilhavam apenas a ver.

Aqui, tudo tinha preço fixo para nós: o dobro. E de nada adiantou regatear. Azelhas nas argolas, vingamo-nos no coco.

A simplicidade e pobreza (apenas material) deste delicioso povo emocionou quando vimos um grupo de seis adolescentes/jovens adultas a namorar um estojo de maquilham. Um brinquedo mais simples do que qualquer um que se encontre nas populares lojas dos 300 em Portugal. Não, não era brincadeira. Os seus olhos brilhavam para algo extremamente rudimentar, com poucas cores. Jurávamos servir apenas para brincar com bonecas…
Irredutível, o vendedor. Não quisemos intervir, correndo o risco de constranger quem queríamos ajudar.

As nossas câmaras já disparavam sozinhas. Impossível esquecer ainda uma idosa que duvidava que as fotos que lhe tirávamos mostravam a sua imagem. Tocava o rosto e olhava para nós. Como se estivesse completamente perdida, incrédula com o seu reflexo.

Ficámos instalados na parte alta da aldeia. Um euro cada um e um simpático e amplo quarto triplo por nossa conta. WC fora da deliciosa habitação rural. A lembrar as da nossa infância.

Jantar delicioso. Pequeno almoço transferido para outro local. Subitamente, custava mais do que a noite e jantar juntos.
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domingo, 10 de abril de 2011

Rumo a Dhampus



Quando em Phedi nos disseram que o nosso destino final daquele dia exigia uma subida de sete quilómetros em estrada assustadoramente íngreme, convencemo-nos que só podia ser brincadeira. Não era.
“Pelo caminho pedonal, demoram apenas uma hora”, garantiram-nos. Pois… sim… claro… certo.
Melhor mesmo é reunir de emergência e delinear a melhor estratégia para atacar o desafio. Rapidamente constatamos que é impossível iniciar uma epopeia destas sem energias. Merecido almoço. Numa tasquinha. Duvidosa. Como todas.
O inglês das animadas “gerentes” das três esplanadas, que se juntaram à nossa volta, era rudimentar. Mas deu para uma boa e divertida conversa. Poderíamos ter saído dali com casamento acertado. Não nos quisemos precipitar. O Nepal surpreendeu-nos pela beleza das suas mulheres, mas fomos comedidos.
Após um “até amanhã”, começámos a trepar. O sol apertava. O destino parecia inatingível. Tentando ludibriar a mente, focámo-nos num passo de cada vez…
As gotas de suor voltavam a envernizar o nosso rosto quando um pequeno furgão (três lugares à frente e caixa fechada atrás) surgiu ruidoso e cambaleante em esforçada subida. Estendemos a mão. Saltamos para a sua traseira.
Foram 20-25 minutos de sofrimento. Agarrados ao que era possível. Sentados em banco comprido, mas solto e muito instável. Acumulámos nódoas. Duas senhoras no chão com crianças, um militar e um idoso algemado eram a nossa companhia. Cenário surreal.
Paga a portagem para entrar na aldeia (já tinha acontecido o mesmo em Sarangot), uma última curva, barulho crescente e o espanto de uma multidão em festa em local remoto, muito além do fim do mundo…
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Escola Viva


Após promessa de contacto futuro, deixámos Altan e arrepiámos caminho. Havia que recuperar tempo. A paisagem rural, polvilhada de casas humildes, pobres, mas com bom gosto, apresentou-se deliciosa. Tal como as suas gentes.

Amiúde, crianças apareciam com uma folha com o registo de alegadas contribuições para a escola. Não é a gente de meio palminho a quem vamos confiar a nossa ajuda.

Finalmente, uma escola. A primeira de muitas que encontrámos neste ambiente rural. Desviámos o nosso curso. A decisão mais acertada desta aventura.

Em segundos estávamos rodeados de uma multidão de pequenos curiosos. Dos cinco aos 15, eram uns 250 os alunos que aqui estudavam. O director da escola apressou-se a apresentar-se. Pedimos para explorar o recinto. Foi nosso cicerone. Juntamente com dezenas de outras excitadas crianças.
O primeiro desafio foi encontrar Portugal no mapa. Ninguém conseguiu. Pudera, apenas havia a sinalização da Península Ibérica.

Depois de passar pela sala dos professores – os que em Portugal se queixam de falta de condições deviam passar por aqui e ver se a ausência de dignidade dos meios de trabalho limitam a motivação dos docentes – iniciámos uma visita sequencial.

Retivemos a experiência com os mais novos e os mais velhos. No primeiro caso, turma e professores a cantar e duas criaturinhas a dançar com encanto ímpar. E com um orgulho como se exibissem os seus dotes a gente realmente importante.

No caso das mais velhas, um som mais moderno na K7 e uma dança bem mais arrojada. O resto da plateia feminina, analisava os visitantes de cima a baixo. Sobravam comentários. Risos adolescentes.

Por fim, propusemo-nos ensinar-lhes algumas palavras em português. O giz que nos deram foi racionado. Todos iam repetindo em voz alta os nossos ensinamentos.

No final, as fotos da praxe. Muitas. E a particularidade de muitas pedirem uma foto individual. Sobravam as crianças que nunca se tinham visto em registo fotográfico. Reacções puras de surpresa, admiração, encanto.



Deixámos uma contribuição. O responsável sem “jeito”. “É para ajudar a solidificar o sorriso destas crianças no futuro”.

Custou deixar aquele ambiente de há meio século atrás. Os acenos voltaram a ondular no horizonte até desaparecermos…
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Plenitude na montanha



Em apenas 200 passos teremos subido uns 100 metros. Foi o início violento de um exigente trekking que ia começar em Pokhara. Ía, pois preferimos adiantar terreno e ir de táxi e atacar a montanha apenas em Sarangot. Na verdade, para cumprir o programa delineado, deveríamos ter partido às 06:30… mas só três horas depois estávamos verdadeiramente prontos a sair.

Depois de subir 1500 metros confortavelmente sentados a apreciar a paisagem, as pernas passaram a ser o nosso motor, a paisagem o combustível.
Altan estava sentado. Na soleira da sua lojinha. Sereno, absorvia a energia do sol. Indiferente aos que por ali passavam. A uns 15 metros, do outro lado da esplanada de uma só mesa, um casal de turistas petrificado. Contemplava o cenário. Sem falar. Sem respirar…

Fui espreitar.

“Sentem-se. Nada pagam por isso”, surpreendeu-nos Altan, estendendo o braço em direcção a uma das cadeiras, na sombra.

Percebemos rapidamente que não era nepalês. “Sim, sou de Istambul. Mas isso foi numa outra vida. Agora vivo aqui. Há um ano”, contou.

O que leva alguém a deixar uma cidade encantadora para viver numa aldeia com 153 casas num lugar remoto e ultra-inacessível?

Sorriu. Olhou para um lado. Virou a cabeça lentamente para o outro. Brilhou novamente. Agora com cada músculo do seu rosto, escurecido pelo sol.

Desnecessárias, as palavras. Os imponentes Annapurna a deslizar ora suave, ora abruptamente para um vale imenso. Que terminava ali. Mesmo aos nossos pés. Virando apenas o pescoço, nova depressão profunda até vislumbrar Pokhara e o seu aconchegante lago.

“Os dias aqui são perfeitos. Esta gente é pura. Longe do turismo, não tem maldade.

Cá em cima há sempre o que fazer. Dou uns toques na área de electricidade. Sou quem resolve esses problemas à aldeia”, acrescentou, com uma das expressões de maior serenidade alguma vez vista.


A vida dura apenas de sol a sol. A higiene pessoal consome-lhe meio dia. “Devo descer até a um lago que tem uma cascata. Aí tomo banho e lavo a roupa. Quando regresso, espera-me sempre alguma tarefa. Há alguém a quem ajudar”.

Altan não é um turista. Nem viajante. Deixou de ser um estranho. Passou a ser parte da família. Já integra a paisagem. O odor. A textura. A magia do local.

“Roupas, carros, computadores, telemóveis, televisão… só coisas que atrapalham a minha vida. Há muito que deixei de sentir a sua falta. Num lugar destes, quem precisa disso?”
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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Pokhara




A antítese de Katmandu. É o ponto de partida para as mais apaixonantes experiências de trekking no Nepal. Uma das “mecas” mundiais para quem gosta de andar, explorar. Render-se a paisagens idílicas. Normalmente, com a imponente e bela cordilheira dos Himalaias como pano de fundo. O Annapurna está ao alcance da janela do nosso quarto...



Com os primeiros aventureiros, outros mais vieram para Pokhara. O belo lago ajudou. No Lakeside cresceram restaurantes, multiplicaram-se lojas de roupa, souvenirs e decoração. Floresceram bares. Para todos os gostos. Um “boom” desenfreado. Sem ordenamento.

Ainda assim, a zona turística foi do mais limpo que vimos nesta viagem. Aqui, os preços são os mais altos do Nepal . Quase tudo numa única só rua. Fora do Lakeside, o caos do resto do país. “Urbano”.

Além do trekking, aconselha-se a canoagem ou rafting em águas do degelo, parapente sobre o vale (Pokhara está rodeada de montanhas), bicicleta, dispendiosos voos a acariciar os Himalaias…



Relaxámos no primeiro dia. Apreciamos particularmente um restaurante coreano. Boa comida. Excelente musica. Com vista privilegiada para o lago.

Íamos partir para um trekking. O artista do primeiro hotel pediu “apenas” 95 dólares por pessoa para dois dias de caminhada programados por ele. Fizemos mais. Sem dúvida melhor. E não investimos mais de 20% do que nos pediu. Por nossa conta e (sem qualquer) risco.
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