domingo, 10 de abril de 2011

Plenitude na montanha



Em apenas 200 passos teremos subido uns 100 metros. Foi o início violento de um exigente trekking que ia começar em Pokhara. Ía, pois preferimos adiantar terreno e ir de táxi e atacar a montanha apenas em Sarangot. Na verdade, para cumprir o programa delineado, deveríamos ter partido às 06:30… mas só três horas depois estávamos verdadeiramente prontos a sair.

Depois de subir 1500 metros confortavelmente sentados a apreciar a paisagem, as pernas passaram a ser o nosso motor, a paisagem o combustível.
Altan estava sentado. Na soleira da sua lojinha. Sereno, absorvia a energia do sol. Indiferente aos que por ali passavam. A uns 15 metros, do outro lado da esplanada de uma só mesa, um casal de turistas petrificado. Contemplava o cenário. Sem falar. Sem respirar…

Fui espreitar.

“Sentem-se. Nada pagam por isso”, surpreendeu-nos Altan, estendendo o braço em direcção a uma das cadeiras, na sombra.

Percebemos rapidamente que não era nepalês. “Sim, sou de Istambul. Mas isso foi numa outra vida. Agora vivo aqui. Há um ano”, contou.

O que leva alguém a deixar uma cidade encantadora para viver numa aldeia com 153 casas num lugar remoto e ultra-inacessível?

Sorriu. Olhou para um lado. Virou a cabeça lentamente para o outro. Brilhou novamente. Agora com cada músculo do seu rosto, escurecido pelo sol.

Desnecessárias, as palavras. Os imponentes Annapurna a deslizar ora suave, ora abruptamente para um vale imenso. Que terminava ali. Mesmo aos nossos pés. Virando apenas o pescoço, nova depressão profunda até vislumbrar Pokhara e o seu aconchegante lago.

“Os dias aqui são perfeitos. Esta gente é pura. Longe do turismo, não tem maldade.

Cá em cima há sempre o que fazer. Dou uns toques na área de electricidade. Sou quem resolve esses problemas à aldeia”, acrescentou, com uma das expressões de maior serenidade alguma vez vista.


A vida dura apenas de sol a sol. A higiene pessoal consome-lhe meio dia. “Devo descer até a um lago que tem uma cascata. Aí tomo banho e lavo a roupa. Quando regresso, espera-me sempre alguma tarefa. Há alguém a quem ajudar”.

Altan não é um turista. Nem viajante. Deixou de ser um estranho. Passou a ser parte da família. Já integra a paisagem. O odor. A textura. A magia do local.

“Roupas, carros, computadores, telemóveis, televisão… só coisas que atrapalham a minha vida. Há muito que deixei de sentir a sua falta. Num lugar destes, quem precisa disso?”

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